Especialistas em direito e segurança pública defenderam nesta quinta-feira (4) a integração de bancos de dados de órgãos públicos como ferramenta para esclarecer casos de pessoas desaparecidas. Eles participaram de audiência pública da Comissão de Segurança Pública (CSP), que avalia neste ano a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas.
O debate foi sugerido pelos senadores Damares Alves (Republicanos-DF) e Jorge Kajuru (PSB-GO) e contou com a presença do senador Jorge Seif (PL-SC). Ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares defendeu o aperfeiçoamento da legislação que instituiu a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas ( Lei 13.812 , de 2019).
— Por ser uma política relativamente nova, vamos ter a oportunidade de melhorar o que tiver que melhorar e apresentar propostas legislativas para o aperfeiçoamento da lei. Quando ela foi construída, eu era uma ativista nos bastidores. Depois, como ministra, fui a responsável pela implementação e regulamentação da lei. Conheço o tema, e esta composição do Congresso Nacional está disposta a modificar, alterar e melhorar o que for possível — disse.
O defensor público-geral da União, Leonardo Cardoso de Magalhães, apontou a integração como forma de dar eficácia à busca de pessoas desaparecidas. Ele sugeriu, por exemplo, o compartilhamento de informações mantidas por redes sociais, empresas de telefonia e cartórios para auxiliar na localização e na identificação.
— É essencial investir em programas de inteligência que integrem dados de diferentes fontes, promovendo uma visão mais rápida e efetiva. É muito importante que haja uma atuação rápida, célere e desburocratizada das diversas instituições do Estado brasileiro. Temos cada dia mais as redes criminosas avançando. O tempo é essencial. É importante a criação de bancos de dados unificados, que integrem informações de diferentes órgãos, para facilitar a localização e a identificação das vítimas — afirmou.
A delegada Larissa Miranda, representante da Polícia Federal, reforçou a necessidade de integração. Ela disse que, apenas no primeiro semestre deste ano, a instituição recebeu 1.439 mil pedidos e enviou 746 informações sobre desaparecidos a unidades de Polícia Civil ao redor do país.
— Essa é uma função que vai muito além de uma única instituição. É um problema social muito maior, que engloba pessoas que estão em abrigos e hospitais, pessoas que estão desmemoriadas e sem condição de se identificar. Por não se fazer essa ação de consolidação de informações em um banco único para cruzar se aquela informação condiz com uma pessoa que está desaparecida em algum outro estado, essas informações acabam se perdendo — advertiu.
O delegado Frederico Skora, que representa o núcleo da Interpol na Polícia Federal, também defendeu o compartilhamento de informações. Para ele, o desaparecimento de uma pessoa “é uma situação angustiante”.
— Cada minuto que passa aumenta esse sofrimento e dificulta a resolução desses casos. A articulação eficiente entre os órgãos de segurança e outros órgãos públicos é vital para garantir resposta rápida e eficaz. O desafio de criar essas bases de dados integrados e utilizar tecnologias de monitoramento não é um desafio pequeno, e a complexidade aumenta significativamente quando a pessoa desaparece em outro país — disse.
Para Bárbara Lisboa Travassos, titular da Delegacia de Polícia de Investigações sobre Pessoas Desaparecidas de São Paulo, a grande demanda dos órgãos que atuam na busca por pessoas desaparecidas é pela consolidação do Banco Nacional de Cadastro de Pessoas Desaparecidas e do Banco Nacional de DNA.
— Precisamos de ferramentas que nos ajudem a trabalhar. Quando falo em milhares de pessoas desaparecidas, não tenho como fazer uma busca ativa de todas elas em campo. Minha busca em grande parte é feita com sistemas. E não temos ainda acesso a diversos sistemas que são fundamentais para que a gente consiga fazer nosso trabalho de forma eficaz e efetiva — afirmou.
O presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Willy Hauffe, alertou para a falta de investimentos em instrumentos que poderiam auxiliar na identificação de pessoas desaparecidas.
— O Banco Nacional de DNA é uma ferramenta excepcional, criada em 2012. Mas ainda é incipiente ao extremo no país. Nosso banco de dados tem pouco mais de 200 mil amostras. Funciona muito bem. Mas o banco americano supera os 15 milhões. Falta povoar esse banco, falta buscar esses dados — disse.
O presidente Associação Brasileira de Criminalística, Marcos Antônio Contel Secco, reforçou a crítica.
— Temos hoje no Brasil cerca de 19 mil casos parados de restos mortais em laboratórios de DNA. A capacidade técnica de processamento desses restos mortais é de 900 por mês. Se fizermos uma continha rápida, levaríamos 21 meses trabalhandofull [em tempo integral] só para isso. Como entidade de classe, a gente vem batendo muito na questão de recursos humanos e investimento em tecnologia — disse.
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), foram registrados mais de 82 mil casos de pessoas desaparecidas em 2023. No primeiro semestre deste ano, a média foi de 200 notificações por dia. Segundo o coordenador-geral de Políticas de Prevenção à Violência e à Criminalidade da Senasp, Leandro Arbogast da Cunha, 63% dos desaparecidos são localizados.
Durante a audiência pública, Arbogast fez referência a uma ferramenta bem-sucedida na busca por pessoas desaparecidas com o auxílio de redes sociais. É o Alerta Amber, que funciona como projeto piloto no Distrito Federal e 12 estados do país.
— Quando desaparece a criança ou o adolescente, é feito um alerta nosfeedsdo Facebook e do Instagram que vai para um raio de 160 quilômetros do local do desaparecimento. Até o momento houve 44 pedidos de inserção. Desses, 25 emissões foram feitas, e 18 crianças e adolescentes foram localizados — informou.
Outra experiência de integração é o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid), desenvolvido pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG). A promotora de Justiça Roberta Rosa Ribeiro, representante do CNPG, disse que a iniciativa já compartilhou mais de 100 mil registros sobre desaparecimentos com mais de 2,5 mil órgãos públicos do país.
— A integração vem acontecendo a partir de determinados atores. Nem sempre atores centrais da política nacional, mas a partir, às vezes, de esferas locais. A gente vem conseguindo cooptar atores e indivíduos que estão trabalhando e agregando nessa rede do bem. A gente não tem a pretensão de ser um cadastro nacional. Mas vem, sim, sendo um repositório de informações — afirmou.
Uma terceira iniciativa exposta durante a audiência pública é desenvolvida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da pasta, Bruna Martins Costa, anunciou a formalização de um convênio com a Universidade de Brasília (UnB) para identificar o perfil dos desaparecidos no país.
— Pela natureza diversa das formas de desaparecimentos que se tem no Brasil, a gente vê a complexidade que é produzir e sistematizar dados sobre pessoas desaparecidas. Para uma boa política pública, os dados ajudam muito a entender qual o perfil e quais são as necessidades desse público — explicou.
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