A Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) esteve na cidade de Ji-Paraná, nesta segunda-feira (19), para discutir o contrato de concessão da BR-364, no trecho que liga as cidades de Porto Velho e Vilhena, em Rondônia. Durante a audiência pública, que aconteceu na Câmara Municipal da cidade, lideranças políticas, representantes da sociedade civil e do setor produtivo apontaram pontos no contrato de concessão que, segundo eles, podem causar impacto negativo ao agronegócio e à população local nos próximos 30 anos.
As principais queixas levantadas pelos participantes estão relacionadas à duplicação da rodovia em apenas 107 quilômetros [15% do trecho da concessão], o valor do pedágio, a cobrança da taxa antes da entrega das obras e o cronograma de execução do serviço. A visita ao local e o debate atenderam aos requerimentos do presidente da CI, senador Marcos Rogério (PL-RO) e do senador Jaime Bagattoli (PL-RO).
Marcos Rogério destacou que a rodovia é essencial para Rondônia, pois atravessa a região e conecta a capital, Porto Velho, ao restante do país. Por essa razão, acrescentou, a concessão terá impacto direto na vida dos usuários.
O senador ressaltou que não é contrário ao modelo de concessão, mas apontou pontos críticos do atual contrato. Para ele, a relação entre custo e benefício não é favorável à população em razão do numero reduzido de obras, com prazo extenso para entrega e o custo alto da tarifa.
— O nosso modelo é uma equação que, para nós, está difícil de ser admitida. Uma concessão que representa baixo volume de obras, pedágio caro e um cronograma de obras que, para mim, é um dos pontos mais sensíveis e muito ruim. É um cronograma onde você tem obras estruturantes importantes, [porém] a previsão para o início dessas obras ou a entrega de parte dessas obras está muito lá na frente. Primeiro você paga o pedágio para depois você ver os investimentos acontecendo — apontou.
O senador Bagattoli avaliou na mesma direção que o presidente da CI. Fez críticas a alguns termos do contrato, como os altos custos, principalmente em relação ao pedágio, o baixo volume de obras previstas e a entrega tardia.
— Agora se dá uma concessão por 30 anos para fazer 107 quilômetros de pista duplicada, sendo que a duplicação começa no quarto, no quinto e no sexto ano [da concessão]. E a terceira faixa, nas subidas mais longas [só a] partir do terceiro ano, 25 quilômetros. Isso não é só vergonhoso, como vai causar um peso grande para a sociedade.
O leilão para a concessão da rodovia foi realizado em 27 de fevereiro de 2025. A empresa vencedora fará a administração das sete praças de pedágio previstas ao longo da estrada, posicionadas entre os municípios de Pimenta Bueno ( duas praças), Presidente Médici, Ouro Preto do Oeste, Ariquemes, Cujubim e Candeias do Jamari.
Com aproximadamente 700 quilômetros entre Porto Velho e Vilhena, a BR-364 terá 107 quilômetros duplicados, sendo que 15 quilômetros correspondem ao Anel Viário de Ji-Paraná. O restante da duplicação [ 92 quilômetros] está previsto entre os municípios de Jaru e Presidente Médici. Segundo o cronograma da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), as terceiras faixas [25 quilômetros] começarão a ser construídas no terceiro ano da concessão, enquanto a duplicação iniciará no quarto ano, abrangendo 14 quilômetros.
Os representantes dos transportes de carga também criticaram alguns dos mesmos termos do contrato de concessão da rodovia. As principais queixas incluem o elevado número de praças de pedágio, a escassa extensão de trechos duplicados e os altos valores das tarifas que, segundo eles, podem tornar inviável o transporte de cargas para o estado de Rondônia, com um aumento estimado de até R$ 2 mil por viagem. Atualmente, o valor do frete para a região é cerca de R$ 180 a tonelada. A previsão é que a partir do início das obras e da cobrança do pedágio o valor salte para R$ 220.
O diretor Executivo da Associação Nacional de Transporte de Cargas (ANATC), Carley Welter, apresentou algumas sugestões para a reversão de alguns pontos críticos do contrato. Uma delas é o abatimento do valor pago em pedágio no IPVA.
— Quanto um carro, quanto um caminhão pagou lá de IPVA? Ele bota lá [no desconto] 40% do pedágio é do estado, 40% do município e 20% é do Fundo da Educação. O Tesouro Nacional se comprometeria com uma possível perda de arrecadação dos estados e municípios. Mas jogar toda essa conta para o usuário, eu acho um pouco cruel.
O transportador de carga e representante da Transmourão, Flávio Marcondes de Campos, alertou para o encarecimento de todo o processo de logística, onerando produtores e cidadãos.
— No cimento, levando em conta um caminhão de nove eixos, que anda com 50 toneladas, um saco de cimento vai acarretar R$ 2,40. Porque você leva em consideração a pista que vai ser duplicada e um trecho de 1.600 quilômetros a um custo de R$ 0,15 o quilômetro. Isso vai dar R$ 2.140 para um caminhão sair de Vilhena, ir a Porto Velho e voltar para Vilhena.
O prefeito de Ji-Paraná, Affonso Cândido e o vereador André da Royal reforçaram a preocupação em relação a quanto o custo do pedágio vai impactar no bolso da população.
— O problema é que vai encarecer os produtos. Bens de consumo tudo o que você vai comer, você vai construir uma casa, tudo o que o cidadão mais pobre vai fazer, vai ficar mais caro — observou o vereador.
O representante da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Ji-Paraná, Elias Pereira, reforçou que a concessão da rodovia não afeta apenas o setor agropecuário. Para ele, toda a cadeia de consumo pode ser prejudicada com a elevação dos preços nos supermercados devido ao aumento dos custos logísticos.
A insatisfação do setor empresarial ficou evidente na manifestação do representante da Associação Comercial e Industrial de Ji-Paraná, Liomar Carvalho. Ele destacou que a rodovia é vital para o escoamento da produção e o desenvolvimento de Rondônia, mas se colocou contra a cobrança de pedágio antes da conclusão das obras de melhoria e modernização da estrada. Ele ainda sugeriu a definição de prazos obrigatórios e a fiscalização dos trechos mais críticos, e que sejam estudadas isenções ou tarifas reduzidas para transportadores locais.
— O setor produtivo não é contra a modernização da rodovia. Mas é terminantemente contra qualquer cobrança de pedágio antes da entrega das obras de infraestrutura. Essa exigência é inegociável. É inaceitável que, além de enfrentarmos diariamente transtornos, [como] acidente, prejuízo e risco de morte, ainda sejamos forçados a pagar pedágio antes que qualquer melhoria seja realizada.
O diretor-geral da ANTT, Guilherme Sampaio, esclareceu que o projeto de concessão da BR-364 foi amplamente discutido antes de sua formalização, tanto no estado de Rondônia quanto na Comissão de Infraestrutura do Senado. Ele destacou que estão previstos mais de R$ 10 bilhões em investimentos ao longo dos 30 anos de concessão, com a geração estimada de cerca de 90 mil empregos diretos e indiretos. Além disso, os municípios ao longo da rodovia devem arrecadar cerca de R$ 41 milhões por ano em tributos.
Segundo Sampaio, o contrato prevê três pontos de parada e descanso para caminhoneiros, 14 bases de serviços operacionais equipadas com dez ambulâncias e dez guinchos, além da implementação de um modelo de emissão carbono zero, como inovação no serviço. A estimativa, com base em dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), é de que as obras contribuam para uma redução de até 22% no número de mortes na rodovia.
O diretor da ANTT destacou ainda que a cobrança de pedágio não começará imediatamente. A concessionária só poderá iniciar a cobrança após realizar melhorias no pavimento, especialmente no trecho até o anel viário, que deverá estar totalmente recuperado antes da implementação da tarifa.
— A cobrança do pedágio não vai começar imediatamente. Ela tem diversas melhorias que vão ser realizadas pela concessionária. A concessionária só vai começar qualquer tipo de cobrança de pedágio a partir do momento que ela fizer melhorias no pavimento até o anel viário. Ela só vai iniciar a cobrança quando [o pavimento] estiver totalmente recuperado.
Outro ponto ressaltado pelo diretor é que o diálogo entre a concessionária, o governo e a bancada federal do estado conseguiu promover a antecipação de alguns compromissos do cronograma. Um dos exemplos citados por Sampaio é o acesso ao porto, inicialmente previsto para o sexto ano da concessão e que agora deve ser concluído até o quarto ano.
Sampaio também assegurou que todas as etapas legais do processo foram cumpridas, inclusive as obrigações apontadas judicialmente e pelo Tribunal de Contas, muitas das quais foram antecipadas.
Segundo ele, dois terços do investimento previsto — que totaliza R$ 10,4 bilhões em valor presente — devem ser realizados até o sétimo ou o oitavo ano da concessão.
Os participantes também defenderam a criação de um comitê regional de acompanhamento da concessão com a participação da sociedade civil e do setor produtivo, e que todas as fases do contrato sejam precedidas de consulta públicas efetivas.
O representante das comunidades indígenas da região, Wellington Gavião, enfatizou que os povos originários não se colocam contrários ao desenvolvimento e à modernização do estado, no entanto, lamentou que as políticas públicas, em especial o processo de formalização do contrato de concessão, não buscou dialogar com as comunidades locais.
— Em nenhum momento os representantes do estado, das empresas, nos procuraram. Não nos consultaram (…) Qual projeto de indenização para cada etnia?
O diretor da ANTT esclareceu que o contrato estabelece também o acompanhamento da concessão por uma comissão tripartite, que vai contar com a participação dos representantes dos governos, dos produtores e da sociedade civil.
A deputada federal Cristiane Lopes (União-RO) enfatizou que além do desenvolvimento econômico, a duplicação e a modernização do trecho significam também salvar vidas. Ela classificou a BR-364 como “Rodovia da Morte”, em razão dos constantes acidentes fatais ocorridos. Ela pediu que o contrato de concessão possa agilizar o início das obras de duplicação e a implantação das faixas adicionais nos trechos mais críticos para reduzir o índice elevado de acidentes na BR.
— Não se pode cobrar antes de fornecer o serviço. Mas também sabemos que pessoas estão morrendo. Então eu solicitei medidas urgentes como a antecipação do início da duplicação e da implantação das faixas adicionais em alguns trechos da rodovia 364. A demora é muito grande. Nós não podemos esperar e já que teremos que pagar pedágio com antecedência por que não adiantar o início dessas obras para que menos pessoas morram na 364?
De 2017 a abril de 2025, segundo dados da PRF, já ocorreram mais de 10 mil acidentes de trânsito na rodovia, uma média de 100 acidentes por mês. Ao todo, 800 pessoas morreram e 11 mil ficaram com alguma seqüela.
O representante da Associação das Empresas de Transportes Rodoviário de Passageiros e ex-senador, Acir Gurgacz, disse que acompanhou quando a discussão sobre o processo de concessão foi iniciado ainda em 2020. Ele reconheceu a dificuldade para mudar os termos do contrato, mas sugeriu como medida para resolver o impasse um adicional de recurso federal, com origem no Ministério dos Transportes e por emendas parlamentares, para viabilizar a duplicação dos 700 quilômetros de extensão da rodovia. Ele reforçou que o adicional pode ocasionar, inclusive, a revisão das planilhas do pedágio.
— Eu acredito que cancelar o leilão a gente não vai conseguir. Até porque feito o leilão isso está na lei e é impossível. Agora utilizar desse recurso que pedimos para colocar no contrato, de que o governo federal pode e deve fazer a duplicação, isso é possível — afirmou.
No entanto, o coordenador da bancada federal, deputado Maurício Carvalho (União-RO), disse ver dificuldade na opção de encaminhar recurso via emendas parlamentares, já que em anos passados a bancada destinou verba com esse objetivo e, segundo ele, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) acabou utilizando para “operação tapa buraco”.
Porém, o senador Marcos Rogério sugere a opção de um “contrato híbrido”, com o comprometimento do governo federal em assegurar o recurso para a execução da duplicação, como alternativa para a concessão que aí está.
A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) defendeu a busca de diálogo e de uma "equação" que torne viável a obra para a população e para o desenvolvimento dos estados de Rondônia e de Mato Grosso.
— Nós precisamos encontrar uma equação, contem comigo. Porque Mato Grosso e Rondônia são ligados pela 364. É por lá que escoa a nossa produção de grãos, e o Mato Grosso também sofrerá impactos.
Também participaram do debate o presidente da atual Mesa Diretora da Câmara de Ji-Paraná, Marcelo Lemos; o vice-presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia, Laerte Gomes (PSD-RO) e os deputados federais, Dr. Fernando Máximo (União-RO), Coronel Chrisóstomo (PL-RO), Maurício Carvalho (União-RO).