O Projeto Resgate Barão de Rio Branco da Fundação Biblioteca Nacional lançou seu novo catálogo temático dedicado integralmente aos povos indígenas. A ferramenta permite acesso gratuito a milhares de documentos que registram a presença indígena na formação do Brasil, desde o século 16 ao 19.
O conjunto de documentos traz uma variedade significativa de temas e cada registro flagra instantes da afirmação e da resistência desses povos, diz a Biblioteca Nacional.
A lista de resumos dos documentos do novo catálogo, separado por capitanias hereditárias, vai acompanhada de índices que são preciosas ferramentas para os pesquisadores . Eles podem buscar as fontes históricas do projeto Resgate por nome, por assunto, por local e por etnia .
O trabalho foi coordenado pela professora do Departamento de História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e indígena da etnia Tarairiú, da Paraíba, Juciene Ricarte Cardoso, com a participação dos historiadores Josinaldo Sousa de Queiroz, Karina Fabiana da Silva e Letícia dos Santos Ferreira.
Juciene conta que no final da década de 1990, como pesquisadora do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, ficou com mais de 20 pesquisadores brasileiros em Lisboa por um ano. Eles trouxeram para o Brasil mais de 200 mil verbetes e mais de 5 milhões de imagens documentais do Arquivo Histórico Ultramarino sobre a história colonial do país entre os séculos 16 ao 19.
A professora indígena destaca que, para se chegar ao catálogo atual, foi preciso revisitar os documentos trazidos de Portugal que contemplavam apenas a história dos povos indígenas. “Conseguimos criar um catálogo que permitisse o acesso gratuito a milhares de documentos que registram a presença indígena na formação do Brasil. Um conjunto documental que permite a democratização de vários temas sobre a temática indígena e flagra momentos de afirmação, de resistência desses povos”.
Para Juciene, esse material é importante para os pesquisadores indígenas que estão produzindo cada vez mais seus próprios livros sobre a história indígena do Brasil. “Temos hoje mais de 1,6 milhão indivíduos indígenas, com mais de 300 povos e mais de 200 línguas indígenas que precisam acessar sua memória e sua história. Esses documentos colaboram com informações de sesmarias que proporcionam o enriquecimento dos laudos antropológicos para as titulações de terras indígenas”, disse.
A especialista ressalta que também é possível verificar nessa documentação que cai por terra a ideia de que só houve escravização negra no Brasil.
“Toda a documentação mostra que do século 16 ao 19 houve a inserção da mão de obra indígena no mundo do trabalho brasileiro. Eles eram escravizados, mas com os outros nomes como administrados, catequizados”.
Juciene destaca ainda a resistência dos povos indígenas quando eles negavam toda forma de contato e de convivência que nem sempre era pacífica.
“Encontrei documentos em que lideranças cariri convenceram lideranças negras dentro dos engenhos de açúcar a juntos formarem os chamados locambos, que eram formações de quilombo com homens e mulheres negras e indígenas”.
Segundo a professora, outro tema importante é que essa documentação deixa clara a importância das mulheres indígenas.
“Até mesmo hoje, a historiografia que trata da história dos povos indígenas do Brasil é muito pelo lado masculino onde as mulheres guerreiras não são colocadas em evidência. Essa documentação revela que as mulheres indígenas não eram passivas nesse processo histórico da formação do Brasil. Elas estavam também construindo espaços de lutas e resistências nos contatos inter-étnicos da América portuguesa”.
Para o professor titular do departamento de Antropologia do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Pacheco de Oliveira, o catálogo da Fundação Biblioteca Nacional pode servir de base de teses de mestrado e doutorado nas áreas de história, antropologia e letras.
“E também para pesquisas das próprias comunidades indígenas porque são documentos que reafirmam direitos, lutas que eles realizaram, resistências que praticaram. É um material muito valioso”, disse o antropólogo.
O Projeto Resgate Barão do Rio Branco é um programa de cooperação arquivística internacional que tem por missão catalogar e reproduzir a documentação histórica manuscrita referente ao Brasil, do período anterior à Independência.
O projeto homenageia José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, diplomata brasileiro que consolidou as fronteiras do país. O embrião da iniciativa surgiu já no século 19, graças à pesquisa pessoal de muitos diplomatas brasileiros.
Grande parte do acervo luso-brasileiro foi disponibilizado digitalmente, entre 2002 e 2006, pelo Centro de Memória Digital da Universidade de Brasília (CMD/UnB) , com apoio financeiro da Petrobras.
Desde 2015, os recursos para a manutenção e o incremento do Projeto Resgate Barão do Rio Branco advêm de um Projeto de Cooperação Técnica Internacional com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), cuja direção está a cargo da presidência da Fundação Biblioteca Nacional.
Até o momento, foram feitos o levantamento e a reprodução de documentos existentes nos arquivos, bibliotecas, museus, centros e instituições culturais de Áustria, Espanha, Holanda, França, Bélgica, Reino Unido e Estados Unidos.
Visite o acervo aqui: resgate.bn.br