Imagine o que pode ter em comum uma escola pública com mais de 600 estudantes e docentes na cidade de São José, em Santa Catarina, e um festival de música que movimenta 300 mil pessoas em uma praia artificial criada às margens do Lago Paranoá, em Brasília?
Ambos são considerados Lixo Zero, um título concedido às iniciativas que cumpriram o desafio de reduzir acima de 90% a produção de resíduos sólidos e dos impactos ambientais causados por eles.
Em São José, no ano de 2019, a professora da Escola de Educação Básica Aldo Câmara da Silva, Fabiana Nogueira Mina, decidiu propor o tema dos resíduos urbanos para uma aula de Língua Portuguesa sobre artigo de opinião. Munida de materiais como vídeos sobre o consumo, uso de sacolas plásticas e impactos desse material nos oceanos e ecossistemas, a educadora conseguiu impactar tão efetivamente os estudantes, que o debate foi além daquela aula.
Mais estudantes foram alcançados por meio de um seminário na escola, no qual o desafio fez com que toda a comunidade se engajasse em transformar as ideias debatidas em ações e que o local visse a ser a primeira escola Lixo Zero do país.
“Fomos testando, e a escola virou um grande laboratório. Enquanto tentávamos traçar um caminho para a redução de 90% do que era enviado para o aterro sanitário nós também tivemos erros”, lembra a professora.
A cada desafio, pesquisa e engajamento resultavam em inovações, como o residuário, que era um armário onde os materiais são higienizados e organizados pelos próprios estudantes por grupos para destinação.
“A utilização dos coletores e as lixeiras coloridas não deram certo, então criamos uma solução.”
Os outros educadores foram contagiados e passaram a tratar do tema de forma transversal nas demais disciplinas. Ao final do ano, com a compostagem dos resíduos orgânicos na própria escola e a doação do material reciclável a cooperativas, o desvio de resíduos atingiu 94% e a escola foi certificada.
“O engajamento dos estudantes foi crescendo e a minha curiosidade também. Eu fui entendendo que se o engajamento deles apontava aquele caminho era por ele que eu deveria seguir”, afirmou Fabiana.
O relatório Global Waste Management Outlook 2024 (GWMO 2024), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), indica que 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos domiciliares foram gerados no Brasil em 2022, Do total, quase 30 milhões de toneladas tiveram a destinação inadequada, indo parar em lixões, por exemplo, e 5 milhões de toneladas foram descartadas no meio ambiente.
Preocupados com o impacto deste problema no planeta e na saúde das pessoas, os produtores de um festival em Brasília, que ocorre anualmente, por três meses, às margens do Lago Paranoá - principal corpo hídrico da capital federal - resolveram criar um lixo zero, em 2017. Na época, identificaram que esse tipo de festa chegava a gerar cerca de 400 toneladas de resíduo.
“Nós queríamos deixar um legado para Brasília, ressignificar a nossa relação com o Lago Paranoá, com a cultura da cidade, e, porque não usar essa plataforma de comunicação, de engajamento e transformá-la em uma plataforma de mudança do mundo”, lembra Kallel Koop, diretor de sustentabilidade do projeto.
A partir daí o projeto foi todo desenvolvido na lógica de consumo consciente e na redução da pegada ambiental, com a eliminação de itens não essenciais, a substituição de materiais convencionais por outros mais sustentáveis e a destinação adequado do resíduo gerado. Da mesma forma que os estudantes da escola de São José, os produtores também enfrentaram desafios pelo caminho.
“Tivemos que construir um ecossistema para a destinação de determinados resíduos que ainda não possuíam essa cadeia em Brasília. Até 2017, por exemplo, a gente não tinha um destinador de vidro e nossos patrocinadores principais são marcas de bebida, gerando uma quantidade imensa de garrafas de vidro.”
A solução veio com inicialmente com o envio desse resíduo para São Paulo, onde a reciclagem já era realizada. Em 2018, a mobilização dos produtores viabilizou o início de um empreendimento nesse ramo de reciclagem de vidro. O mesmo aconteceu em relação aos resíduos orgânicos, que no primeiro ano foi compostado pela organização do evento e nos anos seguintes por uma empresa de Brasília.
“A gente foi buscando os caminhos e várias soluções, várias tecnologias foram desenvolvidas para conseguir gerir resíduos.”
Com todo o empenho, o evento alcançou uma média de desvio dos resíduos de aterro sanitário de 95%, chegando a atingir 98,2% e passando a ser o primeiro festival lixo zero do país. Somado aos benefícios ambientais, o evento ainda gerou renda e criou novas cadeias produtivas para a região.
“Nós remuneramos as cooperativas para fazerem a separação dos resíduos e doamos 100% para que tenham uma remuneração maior. No final do cálculo, mesmo remunerando direitinho e não recebendo a renda dos recicláveis, o nosso custo operacional ainda é mais barato do que se que tivesse mandando para o aterro”, destaca o diretor.
Boas práticas como as da escola e do festival serão debatidas no Congresso Internacional Cidades Lixo Zero, que começa nesta terça-feira, em Brasília. Por três dias, gestores de negócios e cidades se reunião no Museu Nacional da República para trocar experiências sobre o tema, em busca de soluções sustentáveis.
De acordo com o presidente do Instituto Lixo Zero, Rodrigo Sabatini, a ideia é que bons exemplos possam motivar mais iniciativas que somem em uma transformação cultural e social por cidades mais limpas, resilientes e equitativas.
“Estamos falando de um acordo social, onde comunidades colaboram para o bem comum. Este acordo é a chave para reduzir nosso impacto ambiental, promover uma economia mais sustentável, reduzir disparidades sociais e incentivar a inovação”, conclui.
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