Famílias que vivem da pesca artesanal na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, afirmam que a atividade econômica na região foi prejudicada e vai demorar para se recuperar. Na Colônia Z3, uma comunidade de pescadores às margens da lagoa, na zona rural do município de Pelotas, cerca de 4 mil pessoas foram atingidas pelas inundações, que encobriram casas, peixarias e destruíram apetrechos de pesca, refrigeradores e outros materiais de trabalho dos profissionais.
Metade da população local saiu para a casa de parentes ou está em abrigos públicos e privados na cidade. Já outros moradores permanecem nas aéreas mais altas da vila ou dormindo nas próprias embarcações.
O pescador Nilmar Conceição, presidente do Sindicato dos Pescadores da Colônia Z3, explica que, nos próximos meses, a atividade de pesca não ocorrerá por conta do período do defeso, quando a atividade na Lagoa dos Patos é proibida para a assegurar a reprodução das espécies. Esse período vai de junho a setembro, e os pescadores artesanais têm direito ao seguro-defeso, um salário mínimo mensal pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para auxiliar no sustento das famílias. Mas, mesmo quando a atividade for retomada, em outubro, a lagoa não terá se recuperado.
"Quando a gente volta, em um período normal, em outubro, a gente pesca corvina, tainha, linguado e, em fevereiro, o camarão. Não teremos, certamente. E 2025 é uma incógnita. Pela experiência que temos, vai ser muito difícil a recuperação dessa lagoa porque ela tem que escoar toda a água ficar num nível normal, isso vai ser muito demorado, para entrarem larvas de camarão, para entrarem peixes, para depois se reproduzirem. Imagina o que vem dessa água aí de Porto Alegre, não se sabe se poluição, tem a forte correnteza", prevê. Conceição disse que será preciso algum auxílio emergencial para novembro e dezembro, talvez uma extensão do seguro defeso.
Apesar do nome, a Lagoa dos Patos é uma laguna, porque possui conexão com o mar. Uma preocupação dos cientistas é com a suspensão de sedimentos de areia, argila e outras partículas sobre a lagoa. Elas vieram carregadas pelos rios que deságuam diretamente na lagoa ou provenientes do Lago Guaíba, que por sua vez recebe água de quase todas as bacias hidrográficas do centro e do norte do Rio Grande do Sul. Imagens recentes de satélites utilizadas por cientistas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) mostram a mancha de sedimentos tomando boa parte da lagoa e desaguando no oceano.
"A Lagoa dos Patos, em geral, tem algumas manchas de sedimento, porque tem muito movimento e areia. Mesmo em momentos anteriores, aparece essa mancha de sedimentos. Porém, nunca como se teve nesse evento. Além disso, o sedimento natural da lagoa tem coloração diferente do que veio com as enchentes de maio", explica a professora Diuliana Leandro, do Laboratório de Geoprocessamento aplicado a Estudos Ambientais (LGEA) da UFPel.
De acordo com o último dado informado, o nível de cheia da Lagoa dos Patos chegou a 2,36 metros (m). Outro ponto de preocupação é o canal São Gonçalo, um canal natural de 76 quilômetros (km) que liga a Lagoa dos Patos à Lagoa Mirim, passando pela área urbana de Pelotas. Ali, há um dique de 3 m protegendo cerca de cinco bairros com mais de 40 mil pessoas.
Por conta da elevação da vazão do canal, o dique foi reforçado pela Defesa Civil para a altura de resiliência de até 3,5 m. Ontem (27), o canal chegou a 3,13 m, a maior altura já medida. Na manhã desta terça-feira (28), a elevação tinha recuado para 2,91 m. Apesar disso, moradores da região têm sido orientados a sair das áreas de risco.
Além da Colônia Z3, outros bairros mais próximos da Lagoa dos Patos, em Pelotas, também estão alagados. No Laranjal, ponto turístico durante o verão pela conhecida praia, as quatro ruas a partir do calçadão beira lago estão com água. As casas estão fechadas e com sacos de areia no portão. Morador do bairro, Marcelo Timm Goulart cita alguns transtornos com a situação.
"A água desaguada do Guaíba chega para a Lagoa dos Patos e causa esse incômodo, da água chegar até a porta, em alguns lugares, até a cintura, aí tem corte de luz, ficamos vários dia energia em casa", afirmou o morador.
No Balneário dos Prazeres, um bairro mais pobre, inclusive sem asfalto e calçadas, a água da lagoa encobriu totalmente a praia desde setembro, segundo moradores. O pastor Everaldo Motta, de 66 anos, e os vizinhos colocaram pedras e sacos de areia para conter a erosão que se aproxima das casas.
"A gente pediu dinheiro emprestado e fez isso aqui." Apesar disso, por ter uma topografia mais alta, o bairro não chegou a sofrer inundação. "Esse [último] verão, a gente não teve muito turismo", afirma Jennefer Rodrigues, 32 anos, dona de uma loja de açaí no Balneário dos Prazeres.
Segundo a prefeitura de Pelotas, na atualização mais recente, há 665 pessoas em abrigos de gestão municipal. Ao todo, o número de afetados pelas enchentes é de 5 mil pessoas. Para acessar os abrigos, é necessário entrar em contato com a Defesa Civil do município, pelo telefone 153. O município também informa que está com cadastro online para o Auxílio Reconstrução do governo federal, no valor de R$ 5,1 mil por família beneficiada.
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