Crianças e adolescentes, que são a parcela mais vulnerável da população aos riscos climáticos extremos, têm direito de conviver em um meio ambiente saudável. A afirmação foi repetida diversas vezes, nesta terça-feira (7), na Câmara dos Deputados, pelos participantes do encontro Crianças e Natureza no Centro do Congresso, organizado em conjunto pelo Instituto Alana, (organização da sociedade civil sem fins lucrativos), pela Coalizão pelo Clima, Crianças e Adolescentes (CliCA), que reúne instituições que defendem os direitos das pessoas mais afetadas por eventos climáticos extremos, e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef-Brasil).
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentados durante o evento, atualmente, uma a cada quatro mortes de crianças de até 5 anos está atrelada a riscos ambientais. Especificamente sobre o Brasil, o Unicef informa que há cerca de 40 milhões de crianças expostas a riscos climáticos ou ambientais, como poluição do ar, contaminação da água e de alimentos, escassez de comida, contato com ambientes tóxicos ou insalubres, precariedade no saneamento e higiene, e também eventos extremos, como secas, ondas de calor ou tempestades.
O gerente de Clima e Meio Ambiente do Instituto Alana, JP Amaral, defendeu o direito fundamental de crianças e de adolescentes à natureza e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável, conforme determina o Artigo 225 da Constituição Federal. “Nesse contexto, precisamos garantir como direito que toda criança tenha acesso a infraestruturas urbanas próximas a ela, onde quer que ela esteja, assim como ocorre política pública de promoção de saúde física mental, de equidade social, de democracia e segurança pública”, afirmou Amaral.
“Nas cidades, onde estão basicamente 84% da população brasileira, estamos vendo esse distanciamento cada vez maior entre as crianças e a natureza, fazendo prejuízo de si mesmos significativos. É o que chamamos de ‘transtorno de déficit de natureza’, definiu o representante do Instituto Alana.
No encontro, a representante adjunta do Unicef-Brasil, Paola Babos, divulgou o Comentário Geral 26, um documento com recomendações e diretrizes sobre os direitos da infância, com especial enfoque no combate às mudanças climáticas, que foi lançado pelo Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro deste ano.
Paola disse que o documento é significativo para todos os países signatários da convenção sobre os direitos da criança, inclusive o Brasil. Por isso, os governos precisam agir para garantir um ambiente sustentável para todas as crianças", afirmou.
“Isso significa mitigar primeiro o impacto das mudanças climáticas, tomando medidas urgentes para garantir condições como água suficiente e limpa, bem-estar, biodiversidade vegetal, alimentos saudáveis. E também, a obrigação dos governos e dos representantes do povo brasileiro, de criar leis e políticas que respeitem os direitos de crianças e adolescentes ao meio ambiente. Mas, mesmo com ações de mitigação, sabemos que fatores climáticos vão continuar ocorrendo, com impactos importantes sobre crianças e adolescentes. Por isso, é urgente garantir que as escolas e espaços que oferecem serviços essenciais às crianças estejam protegidos contra danos ambientais e sejam resilientes a eventos extremos”, acrescentou Paola.
O secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Adalberto Felicio Maluf Filho, esclareceu que a pasta tem realizado diversos estudos para obter indicadores ambientais baseados em evidências. Ele adiantou que o ministério terá um programa focado em gerar infraestrutura com soluções baseadas na natureza, com áreas verdes e associadas a recursos hídricos para que as crianças possam ter experiências. “É preciso resgatar esses espaços. Nosso programa vai priorizar áreas verdes em regiões periféricas, com foco na primeira infância. No texto do programa, vamos dar destaque um pouco diferenciado às regiões periféricas, onde as crianças não têm acesso às estruturas naturais.”
Jovens presentes ao encontro na Câmara dos Deputados pediram para ser ouvidos sobre problemas que os envolvem. A baiana de Salvador, Catarina Lorenzo, por exemplo, de 16 anos, é ativista e conselheira do grupo internacional Child Rights Connect, do Unicef. Ela revelou que, para redação do Comentário Geral 26, mais de 16 mil crianças e jovens, em todo o mundo, foram ouvidos. Catarina estava entre eles e agora espera que o documento seja levado a sério pelos governantes. “Estamos cansados de falsas promessas. Enfatizo isso, pois nos deparamos com um documento que tem potencial para se tornar algo positivo, embora possa se tornar simplesmente mais um movimento, onde países se comprometem com objetivos, mas não agem em prol destes."
A estudante de relações Internacionais Maria Eduarda Silva, que, desde os 12 anos, luta pelos direitos de crianças e adolescentes e pelo clima, argumentou que a juventude tem que estar presente em espaços de construção e de efetivação de políticas públicas. “Não se fala de crianças e adolescentes sem ter crianças e adolescentes. A gente cansou de ter adultos decidindo por nós. Nós temos voz! Nós só precisamos ser ouvidos”, disse a jovem, que está com 19 anos e mora em Bonito, interior de Pernambuco.
“Nós sabemos o que enfrentamos com as crises climáticas. Nós escutamos, desde crianças, que somos o futuro, mas qual futuro com essas mudanças climáticas? Nós precisamos pensar em ações que sejam garantidas agora”, questiona Maria Eduarda.
Crianças indígenas foram apontadas como o grupo mais afetado pelo desmatamento, pelas queimadas, pela contaminação com mercúrio, pela poluição do ar, pelas mudanças climáticas e pelas violações de direitos territoriais. A ativista Val Munduruku, do Alto Tapajós, no Pará, que tem 27 anos, enfatizou que é preciso priorizar as crianças de povos e comunidades tradicionais e criticou o marco temporal para demarcação de terras indígenas que, segundo ela, trará prejuízos para gerações futuras e para ancestralidade.
Val também descreveu situações vividas por seu povo na terra indígena em que o rio está secando, os peixes morreram e os animais precisam de socorro com urgência. “Não é uma realidade para daqui a 10, 15, 20 anos. A gente já está passando por isso e está aqui para mostrar que nossa luta pelos povos indígenas é uma luta de todos nós.”
O encontro também discutiu a existência do racismo ambiental, que impacta as crianças e adolescentes do sul global. No Brasil, as mais afetadas são as populações periféricas e de maior vulnerabilidade socioeconômica., majoritariamente, negra.
A cientista social da Rede de Adaptação Climática Antirracista, Joyce Paixão, moradora do Recife, relatou situações vividas por comunidades frequentemente atingidas pelas cheias e pela poluição do Rio Capibaribe. “Precisamos desconstruir esse medo da chuva, esse medo do rio, esse medo de não ter água. É preciso que a gente tenha que as crianças são nossa próxima geração e elas estão sofrendo. Eu faço um recorte para dizer que são crianças pretas, pobres, periféricas, em áreas mais vulnerabilizadas, que têm sofrido mais os efeitos das mudanças climáticas.”
A atriz e comunicadora socioambiental Laila Zaid destacou que as crianças das cidades estão cada vez mais expostas a telas (de celular, televisão e computador), deixando de brincar em espaços públicos, como praças e parques. “Porque as ruas estão muito violentas, ou porque estão ocupadas por carros, ou porque simplesmente não existem mais espaços públicos de convívio social para as crianças perto de nossas casas. E isso não só é muito triste, como é altamente perigoso esse emparedamento da criança, que está perdendo coisas muito valiosas. Ela está perdendo saúde física, porque o corpo fica restrito ao espaço interno das casas, dos apartamentos e, também, está perdendo o convívio social, que é tão importante para a autorregulação das emoções.”
O deputado Nilto Tatto (PT-SP), que organizou o evento na Câmara, enfatizou os problemas que tem visto em viagens pelo país. “Andando nas quebradas, nas periferias do Brasil, vejo esgoto a céu aberto, correndo em lugares onde não tem espaço, em que não se propicia qualidade de vida, não tem uma rua arborizada, não tem um parque, nenhum lugar para correr e exercer a vida, enquanto criança, enquanto adolescente.”
Célia Xakriabá, deputada pelo PSOL de Minas Gerais, enfatizou que é preciso confiar mais no poder transformador das crianças e disse que agora é momento de combater o desmatamento, a degradação e o aquecimento global. “Nós somos a última geração a poder fazer alguma coisa para parar a crise. A boa notícia é que a hora é agora. Não podemos enxergar a Amazônia, a partir de um olhar romantizado. Nós precisamos enxergar a Amazônia urgentemente. A água está fervendo, como dizem os parentes indígenas.”
A deputada criticou a postura de parlamentares movidos por interesses econômicos que podem prejudicar a natureza e as crianças. “Estamos em um momento importante no Congresso Nacional, porque é aqui que se mata a cultura. Muitas vezes, o parlatório [Parlamento] não quer se sensibilizar, sair para o lado de fora e ver as mudanças climáticas. O que tenho falado aqui, no Congresso Nacional, é que esse terno não é eterno”, afirmou Célia Xakriabá.
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