O estudante Rian Pereira Fernandes teve apenas duas semanas de aula na Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP) quando a pandemia de covid-19 começou, em 2020. Calouro, ele tinha acabado de ingressar na universidade quando as aulas presenciais foram interrompidas para dar lugar ao ensino remoto.
“A questão do online foi bem complicada. A situação mental era bem importante e foi um pouco abalada, mas acho que a questão acadêmica e de convivência tiveram prejuízo também.”
Depois de dois anos estudando pela internet, o jovem disse que está animado com o retorno presencial – que teve início, para parte dos estudantes da USP, no dia 14 de março.
“Estou feliz porque estou vendo meus amigos e tendo aulas de verdade. Mas tem coisas que tiram um pouco da nossa felicidade: os ônibus lotados, o bandejão sempre cheio. Tem dias que minha aula termina ao meio dia e recomeçam às 14 horas, às vezes, eu não consigo almoçar. Ontem mesmo eu não consegui almoçar nem jantar, porque as filas estão imensas. Estou feliz de ver as coisas voltando ao normal, mas algumas coisas poderiam voltar melhor”, lamenta.
Apesar das dificuldades universitárias, ele acredita que o retorno às aulas no campus será melhor para todos. “O contato humano está compensando, queria que voltasse ao presencial, porque eu sinto que nos dois anos de pandemia eu não aprendi muito, não tanto por conta dos professores, mas, no online, se perde o contato e, no presencial, o professor vê como os alunos entenderam. As aulas estão sendo mais didáticas, estão fluindo melhor, o conteúdo não é dado com pressa, é um ponto muito positivo e que eu esperava muito”.
A reportagem daAgência Brasilesteve na cidade universitária da USP, na zona oeste da capital paulista, para conversar com os alunos que retornavam aos bancos universitários depois de dois anos de estudos online, durante o período mais crítico do surto sanitário mundial. A maioria dos entrevistados comemora a possibilidade de poder voltar a ter contato com colegas e professores.
Assim como Rian, mais 100 mil alunos de graduação e pós-graduação que estão no segundo e terceiro anos de curso tiveram a oportunidade de frequentar os campi nos últimos 15 dias – alguns deles, pela primeira vez. A semana de recepção na USP também contou com cerca de 11 mil estudantes que ingressaram neste ano pelo vestibular da Fuvest e pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Passada a primeira semana de recepção aos calouros com atividades de integração, começaram as aulas para valer. Algo muito sonhado pela estudante Lívia Coimbra Muniz Cordeiro, de 19 anos, que saiu de Sumaré, no interior de São Paulo, para cursar Letras na USP.
“Sou uma pessoa de baixa renda, então passar aqui é uma vitória. Não fiquei tanto tempo pensando na situação da pandemia, se voltaria ao presencial, porque só de estar aqui já era uma grande glória na minha vida, por todas as dificuldades que passei, conseguir passar por tudo e hoje em dia eu estou estudando na maior universidade da América Latina”, comemora.
A USP é considerada a melhor universidade latino-americana, de acordo com o ranking formulado pela US News College.
Para a universitária, o retorno às aulas presenciais era muito esperado, mesmo com algumas desvantagens. “O ensino a distância teve o lado bom e o ruim. O bom é que a gente tinha muito mais tempo para se organizar porque estava na nossa casa, podia ler os textos, as provas não eram presenciais, tinha mais tempo para fazer os trabalhos, então acho que essa questão de organização acadêmica era um pouco mais fácil, até porque também não tinha tanto contato social. Eu me disperso um pouco quando tem gente conversando. Eu gosto muito de conversar. Mas ficar isolado é bom para estudar”.
O lado ruim, na avaliação dela, era a falta do contato acadêmico real. “Vivendo na sala de aula, comendo no bandejão, as interações com os professores. É uma experiência única, se você não tiver não pode falar que você a fez universidade, porque não é a mesma coisa”, opina Livia que passou no vestibular em 2021.
Colega de sala de Livia, a estudante Joyce de Sousa Silva, de 20 anos, moradora de São Paulo, afirmou que a vida universitária não se limita aos estudos.
“Percebo, agora, presencialmente, que a faculdade é muito mais do que você estar numa aula lendo livros. Adoro os livros, o que os professores ensinam, mas a faculdade é uma coisa muito diferente. Também tem sido menos estressante do que era no ensino a distância. Aqui, além de estudar, eu relaxo e converso com os amigos. Ver os meus colegas além da tela tem sido muito bom”.
Já para Gabriel Azevedo Alves, 19 anos, que saiu de Iporá, no interior de Goiás, para estudar Letras, o tempo no EAD foi bom para que ele pudesse organizar a mudança.
“Quando eu passei na USP, foi completamente novo, porque teve a distância física e também a distância social, ambas complicadas, mas o EAD proporcionou pelo menos que eu pudesse me organizar melhor para me mudar. Tem sido muito interessante porque durante o ano de EAD a gente não teve a experiência da vivência acadêmica. Então eu me senti muito órfão da faculdade”, lamenta.
O relacionamento com os professores e a visão das disciplinas também mudaram na percepção de Gabriel.
“É muito incrível porque aula expositiva é muito chata a distância. As aulas que eu não gostava antes, agora eu gosto porque eu estou dentro de uma sala de aula, em contato com o professor e é muito mais interessante. Os professores eram meio ríspidos no ensino a distância e agora estão mais tranquilos. Não sei se foi a euforia de estar dentro da sala de aula ou se é um lugar mais tranquilo para eles, mas as aulas têm corrido muito melhor”, detalha.
Calouro de jornalismo, o estudante Guilherme Castro de Sousa, 22 anos, havia começado outro curso em 2019, mas, com a chegada da pandemia e das aulas online, trancou o segundo ano.
“Fiz um ano presencial do curso de cinema quando bateu a pandemia e eu tranquei o curso. Agora que está voltando presencial é uma maravilha porque acho que não é a mesma experiência, eu não conseguia acompanhar por EAD, não me encaixei de jeito nenhum. Agora dá para sentir que eu estou fazendo realmente uma faculdade, principalmente começando na USP com o campus desse tamanho, até ficar na fila é uma felicidade pra mim!”, brinca o estudante, que saiu de Teresina, no Piauí, para estudar em São Paulo.
A estudante Ana Mércia Mendes Brandão, de 19 anos, começou a estudar psicologia em 2020, mas, com a chegada da covid-19, também desistiu do curso.
“A pandemia começou na minha primeira semana de aula. Foi um choque muito grande e foi um desastre, odiei o curso e eu não sei dizer se foi por causa do ensino a distância ou foi porque não era para mim mesmo”, afirma a estudante que é conterrânea de Guilherme.
Hoje estudante do primeiro ano de jornalismo, ela afirma que as aulas presenciais têm sido revigorantes. “Para mim, estar aqui é um recomeço, a pandemia foi realmente muito difícil para mim, no sentido de saúde mental. Agora, eu tenho um sentimento de querer fazer dar certo. Ter aulas presenciais é tudo para mim”, comemora Ana Mércia.
Como as atividades na universidade são realizadas predominantemente em ambientes fechados, a USP estabeleceu como protocolo o uso contínuo de máscaras em todos os espaços.
Além disso, os novos alunos precisam apresentar a comprovação de vacinação contra a covid-19 (esquema vacinal completo). Professores, funcionários e estudantes de anos anteriores também tiveram que anexar o comprovante no sistema computacional da USP. Ele será obrigatório em todas as atividades desenvolvidas nos campi da universidade.
Para Guilherme, os jovens universitários estão cientes de suas obrigações e cumprindo regularmente os protocolos sanitários estabelecidos pela universidade.
“As pessoas parecem bem conscientes. É bem mais tenso, por exemplo, na academia. Mas aqui, na faculdade, eu me sinto muito mais tranquilo, muitos espaços abertos, dentro da sala todo mundo de máscara e vacinado.”
A estudante Joyce compartilha desse sentimento de segurança. “O que mais me deixa segura é saber que todos estão vacinados, porque é uma exigência, se eu não tivesse vacinada, com certeza, me sentiria completamente insegura aqui, isso foi um ponto essencial para voltar, senão ninguém teria voltado, os professores principalmente”.
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