Na abertura da que deve ser sua última semana de oitivas, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado ouve, nesta terça-feira (5), Raimundo Nonato Brasil. Ele é sócio da empresa de logística VTCLog.
A comissão investiga a atuação da empresa e sua relação com o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), e com o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias. A VTClog tem contrato com o Ministério da Saúde, desde 2018, para armazenamento e distribuição de medicamentos, insumos e vacinas.
Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), a empresa é suspeita de superfaturar R$ 16 milhões em contratos na Saúde, entre 1997 e em 2003. Apesar disso, Nonato afirmou que a operadora nunca recebeu qualquer penalidade por parte da Corte de Contas.
A VTCLog ganhou espaço no governo federal na gestão de Barros na Saúde. Antes disso, o Ministério da Saúde tinha equipe própria para executar os serviços de logística como armazenamento e distribuição de medicamentos e outros insumos para todo Brasil. Em março de 2018, a empresa assinou o contrato de terceirização - válido até 2023 - no valor de R$ 97 milhões anuais para prestação de serviços sob demanda. Segundo o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apenas por esse contrato, a empresa teria recebido cerca de R$ 400 milhões da pasta.
Ainda sobre o contrato com o Ministério de Saúde, Raimundo Nonato disse que o serviço prestado é "multimodal" e "complexo". Segundo ele, "envolve não só transporte", mas também "armazenagem, separação e distribuição" de insumos e vacinas. "É um contrato de logística, não só de transporte", explicou.
Segundo o empresário, não houve irregularidades no processo de licitação, com a escolha da VTCLog pelo Ministério da Saúde. A afirmação foi questionada pelo relator da CPI, Renan Calheiros. O senador lembrou que a empresa ficou em segundo lugar na contratação e só pôde prestar serviços ao ministério porque a primeira colocada foi inabilitada. Segundo Nonato, o processo teve participação de mais de 15 concorrentes, inclusive dos Correios. Ele acrescentou que a empresa vencedora do certame foi eliminada por não ter qualificação técnica e por problemas no balanço patrimonial, abrindo caminho para a VTCLog, num processo feito de maneira “totalmente regular”.
Sobre um aditivo de R$ 80 milhões no contrato da VTCLog com o Ministério da Saúde, Nonato Brasil disse que o pedido foi feito pela própria pasta por conta de aumento de demanda na pandemia. O relator quis saber então porque o aditivo, feito sem licitação, foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Só para atender a demanda da Pfizer [cujo imunizante contra a covid-19 também entrou no programa de imunização brasileiro], tivemos que investir mais de 30 milhões e até agora não recebemos pelo serviço”, justificou o depoente.
Ao ser perguntado sobre a relação da VTClog com o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, o empresário disse não ter oferecido qualquer vantagem ao ex-gestor. Segundo Raimundo Nonato Brasil, nas poucas vezes em que esteve com o ex-diretor, foi para "reunião com pauta, tudo legal", dentro do Ministério da Saúde. "Nunca oferecemos nenhuma vantagem para o senhor Dias", garantiu Nonato aos senadores.
Diante das negativas, Renan Calheiros lembrou as imagens de um circuito interno de um banco que mostram o motoboy da VTCLog Ivanildo Gonçalves fazendo pagamentos. Segundo a comissão, o horário e agência coincidem com o pagamento de boletos em nome de Dias que teriam sido feitos em troca de favorecimento no Ministério da Saúde. O ex-gestor nega as irregularidades.
Ao insistir que a CPI tem provas de que boletos foram pagos a favor de Roberto Dias, o relator disse que, no dia 24 de junho de 2021, o ministério pagou R$ 62,4 milhões à VTCLog. Chama atenção da Comissão, segundo Calheiros, o fato de, na mesma data do pagamento feito pela pasta, terem sido pagos boletos de R$ 13 mil ao ex-diretor. Para justificar os pagamentos, Nonato Brasil argumentou que Roberto Dias era cliente da Voetur. “Se ele era cliente e comprou passagens, deveria ser o contrário: Roberto Dias deveria pagar e não receber”, reagiu Renan.
A versão do empresário foi confirmada pela diretora-executiva da VTCLog, Andréia Lima. Aos senadores, ela também negou que o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias tenha recebido dinheiro da empresa. Ela admitiu que um office boy da VTCLog pagou em dinheiro boletos bancários em nome dele. Mas, segundo Andréia Lima, a operação serviu apenas para dar baixa contábil a valores pagos anteriormente pelo ex-diretor à Voetur Turismo, empresa dos mesmos proprietários da VTCLog.
“Roberto Dias, em nenhum momento, recebeu dinheiro da VTCLog para o pagamento de suas contas. Ele é cliente da VoeTur Turismo e realizou alguns depósitos para pagar alguns bilhetes de passagens aéreas. Outros, ele pagou em dinheiro ao nosso financeiro. Quando o boy foi para o banco, nosso financeiro pegou o dinheiro para que quitasse aquele boleto da VoeTur Turismo. Para entrar no nosso banco, tem que pagar para que eu possa dar baixa no boleto contabilmente”, disse sob protestos de senadores independentes e de oposição que disseram ser difícil acreditar na explicação.
Questionado por Renan Calheiros sobre a preferência da VTClog pela prática de pagamento em espécie em vez de transferências bancárias, os saques de dinheiro feitos por motoboys da empresa e o destino final da soma, Raimundo Nonato disse que a empresa é "familiar" e que os valores sacados eram destinados a pagamentos da empresa e de sócios. Nonato apontou que não tinha saque de dinheiro para levar para tesouraria e disse que o valor que sobrava de pagamentos servia como "fundo de caixa" da empresa. O depoente confirmou que era a tesoureira, Zenaide Sá, quem ordenava saques que funcionários faziam e a forma de utilização dos valores. Para o depoente, "não há nada de ilegal" nisso.
Durante a oitiva, Raimundo Nonato Brasil disse à CPI que não faz tratativas com órgãos públicos em nome da VTCLog. Sua função, ressaltou, é limitada ao “chão de fábrica” da empresa.
Por ser sócio minoritário, Nonato Brasil afirmou que não tem conhecimento sobre o faturamento do grupo do qual a VTCLog faz parte, o Voetur. Segundo ele, quem teria informações sobre tratativas financeiras com a Saúde é Andreia Lima, diretora-executiva da operadora. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, no intervalo de um ano, ela telefonou 136 vezes para Roberto Ferreira Dias.
Raimundo Nonato confirmou à CPI que o ex-diretor de logística do ministério da Saúde deve mais de R$ 37 mil à Voetur. Questionado pelo relator sobre qual seria o motivo do "calote" de R$ 37.656,34, o sócio da VTCLog afirmou que a dívida "deve ser da compra de passagens aéreas". O depoente disse que "não sabe" há quanto tempo a dívida existe. Nonato Brasil afirmou que do valor total da dívida, R$ 20 mil foram "protestados" pela empresa.
Mesmo com um habeas corpus, concedido pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, o empresário prestou compromisso de dizer a verdade à comissão. Em agosto, a pedido do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi aprovada a quebra dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do empresário.
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